De origem judaica, terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. A família de Clarice sofreu a perseguição aos
judeus, durante a
Guerra Civil Russa de 1918-1921. Seu nascimento ocorreu em
Chechelnyk, enquanto percorriam várias
aldeias da
Ucrânia, antes da
viagem de imigração ao
continente americano. Chegou no
Brasil quando tinha dois meses de idade.
[1] Sempre quando questionada de sua nacionalidade, Clarice afirmava não ter nenhuma ligação com a Ucrânia, "Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo", e que sua verdadeira pátria era o Brasil.
[2]
A família chegou a
Maceió em março de
1922, sendo recebida por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e primo José Rabin. Por iniciativa de seu pai, à exceção de Tania – irmã, todos mudaram de nome: o pai passou a se chamar Pedro; Mania, Marieta; Leia – irmã, Elisa; e Haia, Clarice. Pedro passou a trabalhar com Rabin, já um próspero comerciante.
[1] Com dificuldades de relacionamento com Rabin e sua família, Pedro decide tentar a sorte em
Recife, então a cidade mais importante do
Nordeste.
Clarice Lispector começou a escrever logo que aprendeu a ler, na
cidade do
Recife, onde passou parte da
infância no bairro de
Boa Vista. Estudou no Ginásio Pernambucano de
1932 a
1934. Falava vários idiomas, entre eles o
francês e
inglês. Cresceu ouvindo no âmbito domiciliar o idioma materno, o
iídiche.
Sua mãe morreu em 21 de setembro de 1930 (Clarice tinha apenas 9 anos), após vários anos sofrendo com as consequências da
Sífilis, supostamente contraída por conta de um estupro sofrido durante a
Guerra Civil Russa enquanto a família ainda estava na
Ucrânia. Clarice sofreu com a morte da mãe, e muitos de seus textos refletem a culpa que a autora sentia e figuras de milagres que salvariam sua mãe.
[2]
Quando tinha 15 anos seu pai decidiu se mudar para o
Rio de Janeiro. Sua irmã Elisa conseguiu um emprego no ministério, por intervenção do então ministro Agamemnon Magalhães, enquanto seu pai teve dificuldades em achar uma oportunidade na capital. Clarice estudou em uma escola primária na Tijuca, até ir para o curso preparatório para a Faculdade de Direito. Foi aceita para a Escola de
Direito na então
Universidade do Brasil em 1939. Se viu frustrada com muitas das teorias ensinadas no curso, e descobriu um escape: a literatura. Em
25 de maio de
1940, com apenas 19 anos, publicou seu primeiro conto "Triunfo" na Revista
Pan.
Três depois, após uma cirurgia simples para a retirada de sua
vesícula biliar, seu pai Pedro morre de complicações do procedimento. As filhas ficam arrasadas com as circunstâncias da morte tão inesperada, e como consequência Clarice se afasta da
religião judaica. No mesmo ano, Clarice chama a atenção (provavelmente com o conto "Eu e Jimmy") de
Lourival Fontes, então chefe do
Departamento de Imprensa e Propaganda (órgão responsável pela censura no
Estado Novo de
Getúlio Vargas), e é alocada para trabalhar na Agência Nacional, responsável por distribuir notícias aos jornais e emissoras de rádio da época. Lá conheceu o escritor
Lúcio Cardoso, por quem se apaixonou (não correspondido, já que Lúcio era homossexual) e de quem se tornou amiga íntima
[2].
Em
1943, no mesmo ano de sua formatura, casou-se com o colega de turma Maury Gurgel Valente, futuro pai de seus dois filhos. Maury foi aprovado no concurso de admissão na carreira diplomática, e passou a fazer parte do quadro do
Ministério das Relações Exteriores. Em sua primeira viagem como esposa de diplomata, Clarice morou na Itália onde serviu durante a
Segunda Guerra Mundial como assistente voluntária junto ao corpo de enfermagem da
Força Expedicionária Brasileira. Também morou em países como Inglaterra,
Estados Unidos e
Suiça, países para onde Maury foi escalado. Apesar disso, sempre falou em suas cartas a amigos e irmãs como sentia falta do Brasil.
Em
10 de agosto de
1948, nasce seu primeiro filho, Pedro, em
Berna na
Suiça.
[3]. Quando criança Pedro se destacava por sua facilidade de aprendizado, porém na adolescência sua falta de atenção e agitação foram diagnosticados como
esquizofrenia. Clarice se sentia de certa forma culpada pela doença do filho, e teve dificuldades para lidar com a situação.
[2]
Em
10 de fevereiro de
1953, nasce Paulo, o segundo filho de Clarice e Maury, em
Washington, D.C., nos
Estados Unidos.
[3]
Em
1959 se separou do marido que ficou na Europa e voltou permanentemente ao
Rio de Janeiro com seus filhos, morando no
Leme.
[2] No mesmo ano assina a coluna "Correio feminino - Feira de Utilidades", no jornal carioca
Correio da Manhã, sob o
pseudônimo de Helen Palmer. No ano seguinte, assume a coluna "Só para mulheres", do
Diário da Noite, como
ghost-writer da atriz
Ilka Soares.
Provoca um incêndio ao dormir com um cigarro acesso em
14 de setembro de
1966, seu quarto fica destruído e a escritora é hospitalizada entre a vida e a morte por três dias. Sua mão direita é quase amputada devido aos ferimentos, e depois de passado o risco de morte, ainda fica hospitalizada por dois meses.
[3]
Em
1975 foi convidada a participar do Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria, em
Cali na
Colômbia. Fez uma pequena apresentação na conferência, e falou do seu conto "O ovo e a Galinha", que depois de traduzido para o espanhol fez sucesso entre os participantes. Ao voltar ao
Brasil, a viagem de Clarice ganhou ares mitológico, com jornalistas descrevendo (falsas) aparições da autora vestida de preto e coberta de amuletos. Porém, a imagem se formou, dando a Clarice o título de "a grande bruxa da literatura brasileira". Seu próprio amigo Otto Lara Resende disse sobre a obra de Lispector: "não se trata de literatura, mas de bruxaria."
[2]
Foi hospitalizada pouco tempo depois da publicação do romance
A Hora da Estrela com
câncer inoperável no
ovário, diagnóstico desconhecido por ela. Faleceu no dia
9 de dezembro de
1977, um dia antes de seu 57° aniversário. Foi enterrada no
Cemitério Israelita do Caju, no
Rio de Janeiro, em
11 de dezembro. Até a manhã de seu falecimento, mesmo sob sedativos, Clarice ainda ditava frases para a amiga Olga Borelli.
[2]
Durante sua vida Clarice teve diversos amigos de destaque como
Fernando Sabino,
Lúcio Cardoso,
Rubem Braga,
San Tiago Dantas e
Samuel Wainer, entre diversos outros literários e personalidades.
Obra
Capa da edição original de Paixão Segundo G.H.
Em dezembro de
1943, publicou seu primeiro romance,
Perto do coração selvagem. Escrito quando tinha 19 anos, o livro apresenta Joana como protagonista, a qual narra sua história em dois planos: a infância e o início da vida adulta. A
literatura brasileira era nesta altura dominada por uma tendência essencialmente
regionalista, com personagens contando as dificuldades da realidade social do país na época. Clarice Lispector surpreendeu a crítica com seu romance, seja pela problemática de caráter
existencial, completamente inovadora, seja pelo estilo solto,
elíptico e fragmentário. Este estilo de escrita se tornou marca característica da autora, como pode ser observado em seus trabalhos subsequentes.
Na época da publicação, muitos associaram o seu estilo literário introspectivo a
Virginia Woolf ou
James Joyce, embora ela afirme não ter lido nenhum destes autores antes de ter escrito seu romance inaugural.
[4] A epígrafe de Joyce e o título, inspirado em citação do livro de Joyce
Retrato do Artista quando Jovem, foram sugeridos por
Lúcio Cardoso após o livro ter sido escrito.
Perto do coração selvagem ganhou o prêmio da
Fundação Graça Aranha de melhor romance de estréia, em outubro de
1944.
[3]
Em
1946, em uma viagem ao
Rio de Janeiro , lança seu segundo livro "O Lustre".
Em
1964 Clarice lança dois livros:
A Legião Estrangeira, uma coletânea de contos e o romance
A Paixão segundo G.H.. Ambos livros foram publicados pela Editora do Autor, liderada pelos amigos
Fernando Sabino e
Rubem Braga.
Em
1970, começa a escrever um novo livro com o título de Atrás do pensamento: monólogo com a vida". Mais tarde é renomeado de "Objeto Gritante". Finalmente é lançado em
1973 com o título definitivo de "Água Viva". O livro foi sucesso de crítica e público, ao ponto de o cantor
Cazuza o ter lido 111 vezes
[2][3].
Durante a década de 1970, após ser demitida do
Jornal do Brasil (todos os judeus que trabalhavam na publicação foram demitidos neste período), a autora começa a traduzir obras do francês e do inglês para a Editora Artenova. Entre as obras estão contos de
Allan Poe,
O Retrato de Dorian Gray de
Oscar Wilde, dois romances de
Agatha Christie e
Entrevista com o Vampiro de
Anne Rice.
[2]
Em
1974 publico mais dois livros de contos, novamente pela Artenova: "A via crucis do corpo" e "Onde estivestes de noite". A primeira edição deste último foi retirada de circulação porque foi colocado um ponto de interrogação no título, erroneamente.
[3]. Já
A via crucis levantou polêmica com seu alto caráter sexual, e por não ter sido considerado a altura dos outros trabalho de Clarice. A Revista
Veja e o
Jornal do Brasil chegaram a chamar a obra de "lixo".
[2]
A obra de Clarice ultrapassa qualquer tentativa de classificação. A escritora e filósofa francesa
Hélène Cixous vai ao ponto de dizer que há uma literatura brasileira A.C. (Antes da Clarice) e D.C. (Depois da Clarice).
Além de escritora, Clarice foi colunista do
Jornal do Brasil, do
Correio da Manhã e
Diário da Noite. As colunas, que foram publicadas entre as décadas de 60 e 70, eram destinadas ao público feminino, e abordavam assuntos como dicas de beleza, moda e comportamento. Em meados de 1970, Lispector começou a trabalhar no livro
Um sopro de vida: pulsações, publicado postumamente. Este livro consiste de uma série de diálogos entre o "autor" e sua criação, Angela Pralini, personagem cujo nome foi emprestado de outro personagem de um conto publicado em
Onde estivestes de noite. Esta abordagem fragmentada foi novamente utilizada no seu penúltimo e, talvez, mais famoso romance,
A hora da estrela. No romance, Clarice conta a história de
Macabéa, uma
datilógrafa criada no estado de
Alagoas que migra para o
Rio de Janeiro e vai morar em uma pensão, tendo sua rotina narrada por um escritor fictício chamado Rodrigo S.M. O livro descreve a pobreza e a marginalização no Brasil, temática que pouco aparece ao longo da sua obra. A história de Macabéa foi publicada poucos meses antes da morte de Clarice.
Em artigo publicado no jornal The New York Times, no dia 11/03/2005, a escritora foi descrita como o equivalente de Kafka na literatura latino-americana. A afirmação foi feita por Gregory Rabassa, tradutor para o inglês de Jorge Amado, Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa e de Clarice.